Conto
O IMPREVISTO (Final)
Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.
Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.
Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.
A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.
Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.
Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.
Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.
terça-feira, agosto 15, 2006
Conto
O IMPREVISTO (Final)
Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.
Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.
Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.
A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.
Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.
Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.
Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.
O IMPREVISTO (Final)
Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.
Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.
Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.
A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.
Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.
Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.
Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.
sexta-feira, agosto 04, 2006
Conto
O IMPREVISTO (parte 7)
Acabada a corrida, prossegui. Ultrapassei mais outra sala e apeteceu-me sentar durante algum tempo, só para pensar um pouco. Escolhi o recanto mais na penumbra onde havia um conjunto de sofás com um lugar vago ao lado de um homem e uma mulher que trocavam opiniões em surdina e de outro homem, solitário, que fumava quase religiosamente o seu charuto. Fechei os olhos, o cheiro do tabaco era intenso mas não deixava de ser agradável. O fumo, generosamente soprado mesmo a meu lado, subia rapidamente puxado pelo sistema de exaustão do ar e ficava unicamente o aroma, agradável e inofensivo, a encher o ambiente e a iluminar as ideias. Sempre gostei da forte fragrância dos bons charutos ainda que só muito raramente fume algum. Mas uma coisa é certa: ao fumar um charuto excepcional, o nosso cérebro parece erguer-se a níveis mais elevados, que passam a ser miraculosamente a ser acessíveis sem qualquer recurso ao nosso esforço ou vontade. Hei-de me lembrar de experimentar mais vezes.
Esta paragem fez-me bem. Continuei a andar, vagarosamente, como se estivesse numa grande festa e ainda procurasse caras conhecidas, tentando integrar-me no ambiente. Estava já a aproximar-me da área mais aberta do bar, onde um conjunto musical acompanhava intérpretes talentosos, embora completamente desconhecidos para mim. Apesar disso, a sua extraordinária capacidade interpretativa constituía um autêntico presente para quem tivesse a oportunidade de permanecer ali. Era uma sonoridade com muita cor. Nesse momento, uma cantora de ar nórdico, acompanhada ao piano, começou a apresentar canções de Kurt Weill. Assombroso! Tive de ficar ali um pouco mais.
Passei a outra sala. Mais adiante, todos estavam sentados em semi-círculo olhando para um écran gigante de uma nitidez fotográfica que passava um filme que me obrigou a parar. Cheguei na altura em que o protagonista, um homem magro e muito determinado, caminha literalmente a direito, em linha recta, no meio da terra seca e rochosa, desértica e a perder de vista.
- “Paris, Texas”. Começou agora mesmo – informou-me uma senhora simpática. Sem voltar a cabeça, sorri-lhe agradecido, embora tivesse percebido logo qual era o filme. Toda a minha atenção estava dirigida para essas cenas iniciais. Aquele homem tem um objectivo de tal forma interiorizado, quase obsessivo. Para o alcançar, teima em empreender uma caminhada irracionalmente longa e penosa que, a certa altura, se torna impossível de completar. A partir dali todo o filme me surgiu na memória e decidi andar mais um pouco.
O IMPREVISTO (parte 7)
Acabada a corrida, prossegui. Ultrapassei mais outra sala e apeteceu-me sentar durante algum tempo, só para pensar um pouco. Escolhi o recanto mais na penumbra onde havia um conjunto de sofás com um lugar vago ao lado de um homem e uma mulher que trocavam opiniões em surdina e de outro homem, solitário, que fumava quase religiosamente o seu charuto. Fechei os olhos, o cheiro do tabaco era intenso mas não deixava de ser agradável. O fumo, generosamente soprado mesmo a meu lado, subia rapidamente puxado pelo sistema de exaustão do ar e ficava unicamente o aroma, agradável e inofensivo, a encher o ambiente e a iluminar as ideias. Sempre gostei da forte fragrância dos bons charutos ainda que só muito raramente fume algum. Mas uma coisa é certa: ao fumar um charuto excepcional, o nosso cérebro parece erguer-se a níveis mais elevados, que passam a ser miraculosamente a ser acessíveis sem qualquer recurso ao nosso esforço ou vontade. Hei-de me lembrar de experimentar mais vezes.
Esta paragem fez-me bem. Continuei a andar, vagarosamente, como se estivesse numa grande festa e ainda procurasse caras conhecidas, tentando integrar-me no ambiente. Estava já a aproximar-me da área mais aberta do bar, onde um conjunto musical acompanhava intérpretes talentosos, embora completamente desconhecidos para mim. Apesar disso, a sua extraordinária capacidade interpretativa constituía um autêntico presente para quem tivesse a oportunidade de permanecer ali. Era uma sonoridade com muita cor. Nesse momento, uma cantora de ar nórdico, acompanhada ao piano, começou a apresentar canções de Kurt Weill. Assombroso! Tive de ficar ali um pouco mais.
Passei a outra sala. Mais adiante, todos estavam sentados em semi-círculo olhando para um écran gigante de uma nitidez fotográfica que passava um filme que me obrigou a parar. Cheguei na altura em que o protagonista, um homem magro e muito determinado, caminha literalmente a direito, em linha recta, no meio da terra seca e rochosa, desértica e a perder de vista.
- “Paris, Texas”. Começou agora mesmo – informou-me uma senhora simpática. Sem voltar a cabeça, sorri-lhe agradecido, embora tivesse percebido logo qual era o filme. Toda a minha atenção estava dirigida para essas cenas iniciais. Aquele homem tem um objectivo de tal forma interiorizado, quase obsessivo. Para o alcançar, teima em empreender uma caminhada irracionalmente longa e penosa que, a certa altura, se torna impossível de completar. A partir dali todo o filme me surgiu na memória e decidi andar mais um pouco.
quarta-feira, agosto 02, 2006
Conto
O IMPREVISTO (parte 6)
Infelizmente, atenuar os excessos de uma actividade profissional só por si não basta, é preciso também alterar o nosso comportamento relativamente a tudo o que nos rodeia. Vejam o meu caso pessoal. Eu tenho a mania que sou melhor do que os outros, mais esperto e mais conhecedor. É uma parvoíce, mas é verdade. Este complexo de superioridade nunca me trouxe qualquer vantagem. Pelo contrário, tudo o que consegui foi através de intenso trabalho, auto aprendizagem permanente e bom senso, carradas de bom senso. Então, para quê a pretensa superioridade, se não me posso basear nela para ter sucesso?
O que eu tenho de fazer é contemporizar, ser mais humano. Excelente intenção, não acham? Lembram-se do que eu disse dos taxistas? Muito sinceramente, para mim, os taxistas sempre foram uns grandes maçadores, e os seus bons carros pura e simplesmente não chegam para o disfarçar. Estão a ver, portanto, o esforço assinalável que eu já estou a fazer para aceitar melhor o que me rodeia.
Decidi percorrer aquele espaço imenso, talvez à procura de alguma coisa e apercebi-me que ia encontrando bastante animação nalgumas salas. Numa delas, uma juke-box enchia o ar, noutra mais adiante as pessoas estavam entretidas a fazer karaoke. Sem me sentar, mantive-me atento a esta última e apreciei a facilidade e qualidade com que eram interpretadas canções de todos os géneros. A aparelhagem sofisticada fazia acreditar com demasiada evidência que estariam ali artistas com futuro mais do que garantido. Fui avançando.
Mesmo à minha frente, um grande telão passava uma daquelas gravações de provas desportivas. Reconheci que estavam a transmitir atletismo, focando os preparativos da final de uma prova de cento e dez metros barreiras. Eu já fui um pequeno atleta desta especialidade, nas idades mais jovens, quando as barreiras são muito mais baixas e só percorremos sessenta metros. Tudo está em proporção, especialmente a capacidade atlética, bem entendido. Mesmo assim, lembro-me que treinei um ano inteirinho, o que me permite ter uma ideia do que se estava a passar na pista. A primeira barreira é a mais importante, pode ser mesmo decisiva. Claro que todas as outras barreiras são importantes, mas a primeira tem dado cabo de alguns campeões. É imprescindível que o ataque a esse primeiro obstáculo seja concretizado com velocidade, equilíbrio e poder suficientes para tornar possível um resto de corrida rápido e sincronizado. Sempre, mas sempre, com três passadas exactas entre cada barreira e a seguinte. Olhando para os atletas finalistas, podia quase adivinhar o que estavam a pensar: antecipavam mentalmente essa parte inicial da corrida, acreditando que depois, já lançados, poderiam dar tudo por tudo. Para além das capacidades inatas e do treino, teriam maiores hipóteses os que fossem mais confiantes e corajosos. Sim, porque esta é uma prova violenta, psicologicamente muito violenta. E, no entanto, a prova rainha, a mais aguardada, a mais falada, a mais importante, é sempre a dos cem metros planos, o teste máximo à velocidade pura. Isto sempre me deu muito que pensar!
O IMPREVISTO (parte 6)
Infelizmente, atenuar os excessos de uma actividade profissional só por si não basta, é preciso também alterar o nosso comportamento relativamente a tudo o que nos rodeia. Vejam o meu caso pessoal. Eu tenho a mania que sou melhor do que os outros, mais esperto e mais conhecedor. É uma parvoíce, mas é verdade. Este complexo de superioridade nunca me trouxe qualquer vantagem. Pelo contrário, tudo o que consegui foi através de intenso trabalho, auto aprendizagem permanente e bom senso, carradas de bom senso. Então, para quê a pretensa superioridade, se não me posso basear nela para ter sucesso?
O que eu tenho de fazer é contemporizar, ser mais humano. Excelente intenção, não acham? Lembram-se do que eu disse dos taxistas? Muito sinceramente, para mim, os taxistas sempre foram uns grandes maçadores, e os seus bons carros pura e simplesmente não chegam para o disfarçar. Estão a ver, portanto, o esforço assinalável que eu já estou a fazer para aceitar melhor o que me rodeia.
Decidi percorrer aquele espaço imenso, talvez à procura de alguma coisa e apercebi-me que ia encontrando bastante animação nalgumas salas. Numa delas, uma juke-box enchia o ar, noutra mais adiante as pessoas estavam entretidas a fazer karaoke. Sem me sentar, mantive-me atento a esta última e apreciei a facilidade e qualidade com que eram interpretadas canções de todos os géneros. A aparelhagem sofisticada fazia acreditar com demasiada evidência que estariam ali artistas com futuro mais do que garantido. Fui avançando.
Mesmo à minha frente, um grande telão passava uma daquelas gravações de provas desportivas. Reconheci que estavam a transmitir atletismo, focando os preparativos da final de uma prova de cento e dez metros barreiras. Eu já fui um pequeno atleta desta especialidade, nas idades mais jovens, quando as barreiras são muito mais baixas e só percorremos sessenta metros. Tudo está em proporção, especialmente a capacidade atlética, bem entendido. Mesmo assim, lembro-me que treinei um ano inteirinho, o que me permite ter uma ideia do que se estava a passar na pista. A primeira barreira é a mais importante, pode ser mesmo decisiva. Claro que todas as outras barreiras são importantes, mas a primeira tem dado cabo de alguns campeões. É imprescindível que o ataque a esse primeiro obstáculo seja concretizado com velocidade, equilíbrio e poder suficientes para tornar possível um resto de corrida rápido e sincronizado. Sempre, mas sempre, com três passadas exactas entre cada barreira e a seguinte. Olhando para os atletas finalistas, podia quase adivinhar o que estavam a pensar: antecipavam mentalmente essa parte inicial da corrida, acreditando que depois, já lançados, poderiam dar tudo por tudo. Para além das capacidades inatas e do treino, teriam maiores hipóteses os que fossem mais confiantes e corajosos. Sim, porque esta é uma prova violenta, psicologicamente muito violenta. E, no entanto, a prova rainha, a mais aguardada, a mais falada, a mais importante, é sempre a dos cem metros planos, o teste máximo à velocidade pura. Isto sempre me deu muito que pensar!
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