domingo, outubro 29, 2006

Crescimento de qualidade, precisa-se!


Na sua crónica deste sábado no Expresso, Daniel Bessa dá-nos uma interessante notícia quando nos informa que as organizações internacionais estimaram a nossa taxa de crescimento do PIB potencial em 1,4%. Este número médio, que mede as nossas capacidades no longo prazo, é extremamente baixo e, nas próprias palavras daquele economista, é “pior que os 4% do PIB de défice das contas públicas ou os 10% do PIB de défice das contas externas”.

Curiosamente, numa outra crónica da mesma edição daquele semanário, Daniel Amaral lembra-nos que o crescimento global vai fazer emergir dentro em pouco outras grandes potências económicas, como a China e a Índia, que passarão a ser superiores à União Europeia.

Falar num crescimento médio tão diminuto como esses lamentáveis 1,4%, leva-nos directamente à procura de uma causa lógica imediata para o que se passa em Portugal. Com a grande maioria dos investimentos em turismo, obras e construção e grandes superfícies comercias, não chegaremos a lado nenhum. Desta forma, cada vez será mais difícil crescer e nunca atingiremos qualquer nível minimamente adequado de qualidade de vida.

Pensando bem em tudo isto, há um aspecto não mencionado e que começa a assumir uma importância decisiva. É a qualidade do nosso crescimento. Não chega falar em investimentos produtivos, quando precisamos que eles sejam bastante reprodutivos, com alto valor acrescentado e em sectores de grande impacto tecnológico e industrial.


Considero que aqui se irá desenrolar a derradeira batalha a que o nosso país não poderá fugir.

domingo, outubro 22, 2006

Uma questão de bom senso


Será que o Estado Português chegou a esse triste patamar em que a falta de senso ganhou uma posição invejável de normalidade e até destaque?

O que poderemos dizer de um governo que não arranja outras soluções senão ir buscar dinheiro a quem mais precisa de ajuda?

Sim, porque em vez de – por exemplo - tributar os bancos de forma mais equitativa, carrega agora sobre os pensionistas que ganham mais de 435 euros por mês. E em relação aos deficientes de menores recursos, diminui-lhes o rendimento disponível de forma dramática que afectará ainda mais a sua vida.

Uma coisa é já não esperarmos nada do Estado, outra é assistirmos a esta cavalgada que nos conduz até níveis utópicos, em que o estilo de merceeiro faz tábua rasa de padrões de dignidade que passaram a ser inalcançáveis para um número cada vez maior de portugueses.

sábado, setembro 16, 2006

Bento XVI


Será que o Papa disse mesmo o que eu ouvi ontem de raspão no telejornal? Terei ouvido bem?

Com o respeito que é devido a uma pessoa que ocupa um cargo decisivo no mundo ocidental, tenho que dizer que o bom senso, aquela qualidade tão simples e necessária na vida de todos nós, esteve completamente alheia das palavras proferidas por Bento XVI.

Ainda me custa a acreditar!

quarta-feira, setembro 13, 2006

Profissionais da cassette


Passado o 11 de Setembro, é agora mais do que tempo de, friamente, tecer algumas considerações sobre a incrível forma como foi analisada aquela data no programa Clube de Jornalistas, há alguns dias atrás na 2. Para além de ser um escândalo que este canal público (sustentado por todos nós) possa ser usado como se fosse uma coutada particular, algumas personalidades ditas de esquerda, que se julgam donas de todas as verdades, conseguiram conspurcar intelectualmente aquele ambiente televisivo, atingindo níveis dramáticos de despudor e agudo facciosismo.

Estas pessoas ainda não perceberam que o problema do 11/9 deve ser tratado com humanidade, inteligência e bom senso, que os EUA não têm como sinónimo George W. Bush e que a verdadeira causa do terrorismo dos nossos dias tem uma base muito mais ideológica do que religiosa.

Como eles gostavam de nos obrigar a pensar como eles!

terça-feira, setembro 12, 2006

Como é que estamos?


O mundo estará mesmo a ficar um lugar menos perigoso? Embora vivamos sempre com a sombra (longínqua?) do terrorismo, parece que estamos numa fase de boas notícias – os capacetes azuis da ONU estão a caminho do Líbano, o Irão amolece as suas pretensões nucleares e a Europa está a iniciar uma nova fase de maior crescimento económico. Mesmo a nível interno, poderíamos afirmar que as coisas não vão completamente mal.

Só que cada vez o mês é mais longo para o dinheiro da maioria dos portugueses. Essa é que é a dura realidade. E como o problema não é do calendário pendurado na parede, onde os dias correm devagar, penso que estamos cada vez mais a rebentar pelas costuras.

Estou a ver que vamos levar estes anos todos a arrumar a casa e, a seguir, um qualquer rol de promessas eleitorais vai fazer estragar tudo de novo e voltaremos a problemas ainda maiores do que os actuais.

A contar os cêntimos


Na altura da criação do Euro, a Finlândia tomou a posição inequívoca de não pretender ser abastecida com moedas de 1 e 2 cêntimos, achando-as inúteis e sem valor. Vem isto a propósito da extraordinária decisão que a Galp tomou hoje de reduzir em 3 cêntimos a gasolina. Ou seja, na óptica dos finlandeses é como se não tivesse alterado nada.

Na prática, todos nós estamos conscientemente a ser obrigados a fazer figura de parvos. Ora vejamos. O petróleo baixou nos últimos trinta dias cerca de 16% e a nossa petrolífera tem o desplante de diminuir o preço da gasolina em 2% (!). Não há dúvida que a célebre fórmula usada para definir o preço dos combustíveis vendidos em Portugal, arduamente elaborada para acautelar os nossos queridos impostos, é um verdadeiro tratado de génio.

Azar do EXPRESSO


A intenção era boa, o tiro parecia certeiro. A ideia era colocar na 1ª página do "Economia" um artigo breve mas de longo alcance, claro e decisivo, com a chancela segura de um grande vulto da nossa praça.

Infelizmente, Miguel Cadilhe não correspondeu à expectativa. O seu texto é realmente curto como se impunha. No entanto, tem um conteúdo opaco, confuso na fraseologia, com preciosismos de linguagem a impedirem o fluir imperioso das palavras. Ler é um prazer quando os assuntos complexos se tornam simples, acessíveis e interessantes, revelando um genuíno trabalho de escrita. Aqui, pelo contrário, é a confusão que marca e aborrece.

Foi uma verdadeira oportunidade perdida!

terça-feira, agosto 15, 2006

Conto

O IMPREVISTO (Final)

Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.

Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.

Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.

A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.

Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.

Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.

Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.
Conto

O IMPREVISTO (Final)

Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.

Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.

Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.

A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.

Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.

Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.

Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Conto

O IMPREVISTO (parte 7)

Acabada a corrida, prossegui. Ultrapassei mais outra sala e apeteceu-me sentar durante algum tempo, só para pensar um pouco. Escolhi o recanto mais na penumbra onde havia um conjunto de sofás com um lugar vago ao lado de um homem e uma mulher que trocavam opiniões em surdina e de outro homem, solitário, que fumava quase religiosamente o seu charuto. Fechei os olhos, o cheiro do tabaco era intenso mas não deixava de ser agradável. O fumo, generosamente soprado mesmo a meu lado, subia rapidamente puxado pelo sistema de exaustão do ar e ficava unicamente o aroma, agradável e inofensivo, a encher o ambiente e a iluminar as ideias. Sempre gostei da forte fragrância dos bons charutos ainda que só muito raramente fume algum. Mas uma coisa é certa: ao fumar um charuto excepcional, o nosso cérebro parece erguer-se a níveis mais elevados, que passam a ser miraculosamente a ser acessíveis sem qualquer recurso ao nosso esforço ou vontade. Hei-de me lembrar de experimentar mais vezes.

Esta paragem fez-me bem. Continuei a andar, vagarosamente, como se estivesse numa grande festa e ainda procurasse caras conhecidas, tentando integrar-me no ambiente. Estava já a aproximar-me da área mais aberta do bar, onde um conjunto musical acompanhava intérpretes talentosos, embora completamente desconhecidos para mim. Apesar disso, a sua extraordinária capacidade interpretativa constituía um autêntico presente para quem tivesse a oportunidade de permanecer ali. Era uma sonoridade com muita cor. Nesse momento, uma cantora de ar nórdico, acompanhada ao piano, começou a apresentar canções de Kurt Weill. Assombroso! Tive de ficar ali um pouco mais.


Passei a outra sala. Mais adiante, todos estavam sentados em semi-círculo olhando para um écran gigante de uma nitidez fotográfica que passava um filme que me obrigou a parar. Cheguei na altura em que o protagonista, um homem magro e muito determinado, caminha literalmente a direito, em linha recta, no meio da terra seca e rochosa, desértica e a perder de vista.

- “Paris, Texas”. Começou agora mesmo – informou-me uma senhora simpática. Sem voltar a cabeça, sorri-lhe agradecido, embora tivesse percebido logo qual era o filme. Toda a minha atenção estava dirigida para essas cenas iniciais. Aquele homem tem um objectivo de tal forma interiorizado, quase obsessivo. Para o alcançar, teima em empreender uma caminhada irracionalmente longa e penosa que, a certa altura, se torna impossível de completar. A partir dali todo o filme me surgiu na memória e decidi andar mais um pouco.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Conto

O IMPREVISTO (parte 6)

Infelizmente, atenuar os excessos de uma actividade profissional só por si não basta, é preciso também alterar o nosso comportamento relativamente a tudo o que nos rodeia. Vejam o meu caso pessoal. Eu tenho a mania que sou melhor do que os outros, mais esperto e mais conhecedor. É uma parvoíce, mas é verdade. Este complexo de superioridade nunca me trouxe qualquer vantagem. Pelo contrário, tudo o que consegui foi através de intenso trabalho, auto aprendizagem permanente e bom senso, carradas de bom senso. Então, para quê a pretensa superioridade, se não me posso basear nela para ter sucesso?

O que eu tenho de fazer é contemporizar, ser mais humano. Excelente intenção, não acham? Lembram-se do que eu disse dos taxistas? Muito sinceramente, para mim, os taxistas sempre foram uns grandes maçadores, e os seus bons carros pura e simplesmente não chegam para o disfarçar. Estão a ver, portanto, o esforço assinalável que eu já estou a fazer para aceitar melhor o que me rodeia.

Decidi percorrer aquele espaço imenso, talvez à procura de alguma coisa e apercebi-me que ia encontrando bastante animação nalgumas salas. Numa delas, uma juke-box enchia o ar, noutra mais adiante as pessoas estavam entretidas a fazer karaoke. Sem me sentar, mantive-me atento a esta última e apreciei a facilidade e qualidade com que eram interpretadas canções de todos os géneros. A aparelhagem sofisticada fazia acreditar com demasiada evidência que estariam ali artistas com futuro mais do que garantido. Fui avançando.

Mesmo à minha frente, um grande telão passava uma daquelas gravações de provas desportivas. Reconheci que estavam a transmitir atletismo, focando os preparativos da final de uma prova de cento e dez metros barreiras. Eu já fui um pequeno atleta desta especialidade, nas idades mais jovens, quando as barreiras são muito mais baixas e só percorremos sessenta metros. Tudo está em proporção, especialmente a capacidade atlética, bem entendido. Mesmo assim, lembro-me que treinei um ano inteirinho, o que me permite ter uma ideia do que se estava a passar na pista. A primeira barreira é a mais importante, pode ser mesmo decisiva. Claro que todas as outras barreiras são importantes, mas a primeira tem dado cabo de alguns campeões. É imprescindível que o ataque a esse primeiro obstáculo seja concretizado com velocidade, equilíbrio e poder suficientes para tornar possível um resto de corrida rápido e sincronizado. Sempre, mas sempre, com três passadas exactas entre cada barreira e a seguinte. Olhando para os atletas finalistas, podia quase adivinhar o que estavam a pensar: antecipavam mentalmente essa parte inicial da corrida, acreditando que depois, já lançados, poderiam dar tudo por tudo. Para além das capacidades inatas e do treino, teriam maiores hipóteses os que fossem mais confiantes e corajosos. Sim, porque esta é uma prova violenta, psicologicamente muito violenta. E, no entanto, a prova rainha, a mais aguardada, a mais falada, a mais importante, é sempre a dos cem metros planos, o teste máximo à velocidade pura. Isto sempre me deu muito que pensar!

sexta-feira, julho 28, 2006

Conto

O IMPREVISTO (parte 5)

- Françoise, não leves a mal, mas ainda não sei. Penso que ainda não levei este lugar devidamente a sério. Mas, verdadeiramente, ainda nem sei o que estou aqui a fazer – olhei em volta, um pouco perplexo, talvez à espera de ouvir alguém dizer qualquer coisa brilhante.

- Spoon, vá lá não estejas só para aí a ouvir, esconde esse teu sorriso irónico e dá a tua opinião – Françoise, como uma verdadeira moderadora, tinha-se virado para um inglês que fazia parte do grupo.

Spoon, era uma figura típica mas relativamente insondável que gostava de observar tudo e todos. Já o tinha visto antes. Era um tipo que raramente falava mas que quando o fazia dava sempre a impressão de dizer sempre qualquer coisa de indiscutível.

- Falar em descobrir objectivos dentro de nós, sim, pode ser o segredo, pode ser – Spoon falava devagar. Depois, o seu olhar vagueou em círculo dirigindo-se a todos nós – Parece ser o que há de mais fácil no mundo e, no entanto, acho que nunca consegui penetrar o suficiente em mim próprio para poder descobrir o que raio pretendo fazer a seguir. Nas situações decisivas, eu temo que sejam as circunstâncias a empurrar-nos e a colocar-nos perante escolhas a que não podemos fugir. Depois deste pequeno discurso, Spoon pareceu ter cumprido o seu dever e remeteu-se de novo à sua quietude habitual.

Sorrindo para os presentes, peguei no meu cocktail e bebi um pouco, devagar. Depois levantei-me, lentamente, e fui andando até à sala seguinte. De pé, com o copo na mão, avaliei a situação.

Desde aquele incidente no aeroporto, eu sentira a possibilidade vaga de me estar a acontecer alguma coisa. Sim, as circunstâncias podem ter um papel decisivo. Dir-me-ão que seria uma boa altura para ter ficado no hotel a ler um bom livro ou que teria sido interessante assistir a um espectáculo teatral, por exemplo. E não deixam de ter razão, é claro. Mas alguma coisa me fez acreditar que era altura de pensar noutras coisas e, pouco a pouco, dei uns passos mais ousados. Pelos vistos, devia estar a sufocar.

Mas, atenção, eu sei que a vida não muda com um estalar de dedos. Só que me sentia exausto e o trabalho que fazia estava a tornar-se um fardo difícil de aguentar. Com efeito, A minha rotina diária era assustadoramente dura e tudo o que antes me parecera tão interessante e até entusiasmante, se tornava agora pesado e violento. Além disso, já ganhei mais do que o suficiente para ter uma boa vida, até com algum luxo.

Conto

O IMPREVISTO (parte 4)

A princípio ela nem reparou, como sempre absorta numa conversa que decerto a interessava.

Quando finalmente me viu de pé, muito próximo do sofá em que se sentava, olhou para mim de modo interrogativo, mas logo a sua cara se começou a abrir num sorriso largo e virou toda a sua atenção para mim.

- Dino, há quanto tempo! Mas junta-te a nós, toma parte nesta discussão que está mesmo a aquecer – enquanto falava, Françoise abraçou-me e ajeitou-se para me conseguir uma nesga de sofá onde me sentei.

É estranho, mas vejo agora que ainda não me apresentei!

Já repararam que referi a minha profissão, mas nem me lembrei de dizer quem sou. Pura distracção, acreditem, e aceitem as minhas desculpas. De qualquer modo, nada acontece por acaso. Não fiz de propósito, mas o tema do trabalho é daqueles a que não se consegue fugir. Regra geral, não é por ser um assunto assim tão apaixonante, é antes por assumir a natureza de uma quase obsessão pois, não nos esqueçamos, trabalhamos para “ganhar a vida”. Mesmo se, em grande parte dos casos, ainda por cima gostamos do que andamos a fazer.

Mas vamos então ao que importa. O meu nome é Alexandrino Marques de Sousel, tenho 39 anos e ainda comecei a estudar um pouco de finanças internacionais mas não tive incentivo para a terminar pelo que fiquei, decepcionado e farto, no meio do segundo ano do curso. Fui casado, mas quem é que aguenta a vida de um especulador como eu? O problema é que houve uma altura na minha vida em que estava mais apaixonado pelo trabalho do que por qualquer outra coisa ou, principalmente, pessoa. Como não lhes deve ter escapado, o meu nome próprio é um bocado caricato e, bem, é mesmo perfeitamente horrível. Para corrigir um pouco esse facto, nos locais onde sou mais conhecido, arranjaram-me diversos diminutivos, com mais ou menos bom gosto. É curioso que, para além de obviamente não podermos ser ouvidos em relação ao nosso próprio nome, também raramente nos consultam sobre as alcunhas que nos inventam. Aqui no “Le Musicien” sou o Dino.

Entretanto, na minha ponta de sofá ao pé da Françoise, mostrei-me interessado e bom ouvinte, disponível para dar a minha opinião sobre o assunto que ficara em suspenso.

- O assunto é o seguinte, Dino: todos nós queremos fazer coisas diferentes, é mesmo para isso que aqui estamos. Vimos cá ao “Le Musicien”, descontraímos um bom bocado, apreciamos este ambiente prodigioso, conversamos, mas o nosso verdadeiro objectivo é tentar descobrir um rumo – Françoise respirou fundo e continuou – Mesmo sendo este bar um lugar fora do comum, o mais certo é não encontramos aqui o que procuramos. Porque muitas vezes nem sabemos o que é! Será que conseguiremos olhar bem para dentro de nós e perceber o que se passa?

quarta-feira, julho 26, 2006

Conto

O IMPREVISTO (parte 3)

“… She feels so sad…” Ainda acariciado por aquele tema e enquanto esperava por uma omeleta de ervas, ponderei o aperitivo sob o olhar atento e apurado do Albert. Decidi-me por um cocktail de champagne, que mereceu um olhar lisonjeiro, quase triunfante, do meu anfitrião, posso certamente chamá-lo assim. Albert abriu uma garrafa do melhor champagne, serviu uma boa quantidade, juntou gelo picado, uma judiciosa porção de curaçau e um cheiro de duas ou três secretas especiarias. A rapidez de execução, que era fantástica, não deixava de ser absolutamente natural e o sabor da bebida, embora transcendente, era tudo o que se poderia esperar. Ia ser a minha companhia para o resto da noite.

- “A sua amiga Françoise está na sala ao lado”.

Com toda a discrição e de passagem, enquanto servia outros clientes, Albert teve tempo de me dizer isto e tenho a certeza que só eu ouvi as suas palavras.

- “Veio sozinha?” - consegui perguntar entre duas garfadas.

- “Como sempre, claro” – respondeu e logo desapareceu no outro lado do bar.

Françoise era uma velha conhecida, uma francesa que ainda não atingira a casa dos quarenta, tal como eu. Faladora nata, os seus olhos escuros e magnéticos vibravam ao mais pequeno estímulo. Mais baixa do que alta e um pouco roliça, a sua vivacidade sempre me cativara.

Enquanto mastigava o resto da minha deliciosa omoleta lembrei-me que nada sabia da vida dela, nem ela da minha. Ou melhor, nenhum de nós alguma vez teve o mais pequeno interesse em falar dessas trivialidades.

Iria lá daí a pouco, era só tomar um café. Bom, um café no “Le Musicien” era uma genuína profusão de prazeres. Era vantajosa uma ligeira preparação, talvez mesmo uma certa concentração. Ora observem.

- Robusta da Etiópia com arábica da Costa Rica, em partes iguais? – a intensidade da pergunta era tal, que o olhar do Albert quase fazia parecer que a sua vida dependia da minha resposta.

Acenei afirmativamente, de forma lenta, como um apreciador.

- Com uma pitada de canela e um ligeiríssimo toque de sal? – a mesma expectativa de Albert pela minha reacção.

Concordei rendido, o cérebro alheado na lembrança de sabores já experimentados.

Depois de ter bebido, lentamente e de olhos semi-cerrados, aquela mistura de gosto inigualável, estava preparado para continuar.

terça-feira, julho 25, 2006

Conto

O IMPREVISTO (parte 2)

Sinto-me sempre diferente em Paris. Fico mais sereno, aberto a novas sensações, a pequenas coisas que não saberia definir. Naquele dia, hesitava sobre o que fazer, ia ponderando a questão enquanto o táxi seguia lesto até aos Champs Elysées, depois diria o destino exacto. Tinha, pois, algum tempo para me decidir.

A pouco e pouco, começou a ficar claro para mim que iria escolher a evasão, evitando qualquer semelhança com a chamada vida real, prática e exigente, desgastante e violenta. Pelo menos, a minha vida é assim!


Iria deliberadamente ao encontro da novidade e da imaginação. Lembram-se daquelas cenas de filmes em que o nevoeiro parece dominar tudo e, ao distorcer a realidade, dá um adequado toque de mistério? Pois é disso que eu preciso esta noite. Preciso de caminhar por ruas que parecem não existir, ir a locais onde se entrechocam pessoas que normalmente não se conhecem. Juntar-me a um ambiente quente, cheio de enigmas e de aventura onde cada um pode fazer o que bem entender, abrindo-se-lhe um mundo de novas experiências.

Uma atmosfera quase irreal, mas tão verdadeira que se sente até aos ossos.


Já dei a indicação ao taxista, é que eu conheço exactamente um lugar assim. Chama-se “Le Musicien d´Honneur” e não ia lá há bastante tempo, tanto que me parecia uma eternidade.

Saí do táxi embrulhado na neblina e em frente da grande porta de madeira levemente iluminada toquei à campainha.

Fui logo atendido por um empregado que me abriu caminho através de um corredor, cheio de quadros de músicos de jazz nas paredes. Um canto sincopado e um ruído abafado, de vozes e copos, guiavam-me com segurança. Entrei num salão confortável, cheio de recantos, cada um deles parecendo criar uma sala autónoma. Havia um espaço aberto lá mais ao fundo, onde a voz que eu tinha ouvido ainda entoava “Lady sings the blues”, numa interpretação muito intimista.

Em lugar de destaque, o bar, convidativo e abundante, para onde me dirigi sem demora. Ao sentar-me, apreciando este lugar que descobrira há tantos anos, o meu corpo lembrou-me que ainda não tinha jantado. E foi esse problema que pedi ao barman principal, o já meu conhecido Albert, para resolver da melhor forma que entendesse.


Conto

O IMPREVISTO (parte 1)


Mal chegara a Paris e já tinha perdido o avião de ligação para Lisboa. Vinha de Bucareste e sabia que dispunha de quase duas horas no aeroporto Charles de Gaulle para efectuar a mudança de voos. Mas ainda na capital romena, em plena pista, quando todos os passageiros enchiam já o avião, a porta de entrada próxima da cabine de pilotagem recusou-se obstinadamente a fechar. A equipa de manutenção do aeroporto trabalhou arduamente e, assim, o nosso avião fretado pôde finalmente levantar voo, mas sem nunca recuperar a hora e meia que tinha perdido.

Penso que nunca me tinha acontecido nada parecido. Em relação a uma porta de avião, quero dizer. Não é uma coisa muito grave, mas tem realmente mais probabilidade de acontecer com um avião velho e mal cuidado de uma companhia em vias de falência, como era o caso. Mas, sem sombra de dúvida, os meus planos modificaram-se completamente por causa desse percalço.

E ali estava eu, ao fim da tarde de um dia de Outubro, com guia de marcha para um bom hotel na vizinhança do aeroporto e com direito a senha de jantar e tudo. Mas isso poderia esperar, lá iria eventualmente mais tarde, muito mais tarde. Não é todos os dias que temos Paris tão à mão, enganadoramente passiva mas sempre tão atractiva. Nada estava planeado mas as surpresas acontecem mais facilmente quando são provocadas.

Fiquem a saber, pois não quero fazer segredo, que sou um negociante de metais, um verdadeiro especialista na especulação. Ouro, platina, paládio, prata, estanho e alguns outros mais raros. Tanto faz. É uma profissão estranha, eu sei, faz desconfiar que sou na realidade um malfeitor de grande calibre. Mas não, o que eu faço, muito simplesmente, é comprar e vender metais, de cuja actividade retiro merecidos lucros, sempre que tenho o engenho necessário.

Mas o que vos pretendo contar nada tem a ver com os referidos metais. Que, para mim, são trabalho e, numa altura como esta, quero evitar o assunto. Com efeito, estou a passar por uma fase de saturação de tudo isso e, assim, quero agarrar este inesperado ensejo de desfrutar Paris.

Preciso de arranjar um táxi. Uma coisa boa relativamente aos táxis é a extraordinária liberdade de movimentos que permitem. Tendo o dinheiro necessário, levam-nos rapidamente onde precisamos, sem preocupações com o trânsito ou com o lugar para arrumar. E deixem-me que vos diga, o interior dos veículos tem um ambiente cada vez mais profissional e eficiente. Nada de música estridente e conversa à toa, pelo contrário, antes se nota logo o moderno computador de trânsito, a música de fundo suave e o pagamento possível por qualquer cartão com circulação mundial.

Mas, continuemos. O percurso não teve grande história, se exceptuarmos a aproximação normal a uma cidade a que já fomos inúmeras vezes e onde queremos sempre voltar. Desse modo, o olhar é já pouco turístico, começa a ser menos importante a sucessiva passagem por monumentos únicos que, em qualquer caso, admitimos que só poderiam estar ali. E o que queremos mesmo é penetrar no coração da cidade.

Também não tenho a intenção de descrever qualquer tipo de viagem guiada a Paris que, para mim, tem uma dimensão humana incomparável. Um ambiente nostálgico inexprimível, que é sempre melhor viver do que relatar.

domingo, julho 23, 2006

O espantoso caso do preço das acções da Google


Longe vão os tempos em que as empresas da Internet eram analisadas “de outra maneira”, através de planos de negócios literalmente virtuais onde quase só existiam potencialidades. Não admira que as cotações estratosféricas de muitas delas, em determinada altura, tenham caído no chão.

Mas, em poucos anos, a situação mudou radicalmente. Existem inúmeras empresas ligadas à Internet e às tecnologias com ela relacionadas que são sólidas e altamente rentáveis e cuja avaliação é efectuada da mesma forma que qualquer outra empresa. Efectivamente, as cotações das respectivas acções sofrem o mesmo crivo de análise dos investidores sujeitando-se às normais exigências do mercado de capitais.

Se quisermos, no entanto, eleger uma empresa dessa área de negócio que simbolize tudo o que a Internet prometia e ainda o muito que alcançou e virá ainda a ser disponibilizado através de constante inovação, deparamos com um nome extraordinário que toda a gente conhece - Google.

Eu tenho de confessar que tendia a considerar de certa forma despropositado o nível de preços que foi sendo atingindo pelas acções da Google. De uma forma superficial, parecia-me que continuaria, talvez sub-reptícia, aquela ideia de sobrevalorizar os negócios futuros, arrastando com isso o primado do potencial sobre o real.

No entanto, afastando ideias mais empíricas e com base em simples técnicas de avaliação, pretendo dar a minha opinião sobre o que penso ser o valor tendencial desta empresa, que considero de certa forma uma máquina de produzir lucros e que está numa fase de crescimento espectacular.

Antes, quero só referir que têm sido relevantes as disparidades de opinião dos analistas de mercado sobre a definição do valor das acções desta empresa. Como exemplo, esses especialistas ou apontam uma queda das suas acções para menos de 200 dólares (revista Barron´s de Fevereiro passado), ou indicam a zona 400-600 como defensável (Mary Meeker do Morgan Stanley) ou chegam mesmo a considerar 2000 como um aceitável valor de longo prazo (Mark Stahlman of Caris & Co).

Já agora é bom referir que na altura da sua entrada na Bolsa, em Agosto de 2004, o preço de 85 dólares da sua IPO causou calafrios, pois muita gente pensou tratar-se de um valor exagerado. No entanto, depois de fazer um máximo a 475 dólares, já em Janeiro deste ano, as acções da Google negoceiam agora a cerca de 390.

Em primeiro lugar, devo referir que se trata de uma empresa que, no final de 2005, teve um lucro líquido de quase 1,5 biliões de dólares. Desde 2001 a 2005 o crescimento das vendas foi, respectivamente, de 409% (2002), 234% (2003), 118% (2004) e 92% (2005). Paralelamente, o crescimento do lucro líquido também tem vindo a registar sustentabilidade de ano para ano: 6% (2003), 278% (2004), 267% (2005).

O lucro líquido do primeiro trimestre de 2006 foi de 592 milhões de dólares (mais 60% do que em idêntico período de 2005). Mas a minha base de partida vai ser o lucro líquido do segundo trimestre (721 milhões), que correspondem a mais 110% do registado em igual trimestre do ano passado.

O método de avaliação que vou utilizar é o do Discounted cash-flow (DCF). É bom salientar que o ritmo de crescimento sustentado da Google é o verdadeiro cerne da questão no que toca ao cálculo do seu valor. Dito por outras palavras, a empresa valerá tanto mais quanto conseguir uma elevada taxa de crescimento dos lucros em todos os anos considerados. Pelo contrário, se esse aumento afrouxar de forma relevante o valor da empresa cai logo de forma brutal.

Embora a empresa tenha ultrapassado sucessivamente todas as expectativas, há duas condicionantes de sinal contrário que são muito sensíveis e que não permitem certezas. Por um lado, a capacidade de inovação e criatividade da Google são assinaláveis ao mesmo tempo que a transposição de todos os seus novos negócios para o mercado têm sido levados a cabo com uma visão estratégica e um sentido de obtenção de lucros verdadeiramente excepcionais. Por outro lado, mais tarde ou mais cedo, a verdadeira e dura concorrência (liderada ou não pela Microsoft) vai apertar e de que maneira, e não custará antever que poderão vir a existir estragos de alguma envergadura.

Há outro aspecto importante para a apreciação do valor da empresa. A Google não distribui dividendos e tem a intenção expressa de, no futuro, continuar a adoptar uma política de retenção da totalidade dos seus lucros. Isso é um factor muito positivo.

Embora a taxa de crescimento da Google tenha sido exponencial, vou estabelecer que a mesma estabiliza, num intervalo entre 27,5% e 37,5%, o que representa o maior ou menor optimismo em relação à evolução da empresa. Por outro lado, vou considerar uma projecção a 10 anos, o que com aquele tipo de crescimento em cada um dos anos terá sempre de se considerar muito bom. Vou efectuar a actualização dos cash flows anuais com base nos lucros líquidos, a uma taxa de 12%, que comporta já um elevado factor de risco – superior em 7% ao das aplicações sem risco - que considero suficiente para o tipo de empresa e sector em causa. Por fim, acrescentarei o valor residual de acordo com as técnicas normais para o efeito e deduzirei o valor do passivo que é reduzido, pouco mais do que simbólico.

Aplicando o meu modelo, chego a dois valores – um máximo de 480 e um mínimo de 267 dólares - que, de acordo com os pressupostos utilizados, constituem para mim o intervalo de valor tendencial de cada acção da Google. O intervalo é muito grande, o que prova que o nível de crescimento é fulcral, sendo importante qualquer ligeira variação. O valor médio, que nos deverá nortear, corresponde a um crescimento anual de 32,5% e a um valor por acção de 358.

Esta avaliação nunca será contraditória com os níveis de cotação no mercado de capitais. A variação do preço das acções, por vezes muito ampla, é uma característica normal dos mercados financeiros e só há que aproveitar as oportunidades que se nos deparam.