domingo, outubro 26, 2003

A Quimera do Turismo

Estar de férias na Jamaica!

Este é mesmo o sonho de muita gente, a esperança de visita a uma ilha de praias belas e tempo maravilhoso, de resorts de luxo e floresta tropical de muitos tons.

Um destino de revista, uma terra quente e hospitaleira, sob o som de música alegre e ritmo forte, ela é também uma fotografia viva com as cores da felicidade.

Ouvindo o gelo a vogar no copo longo de rum com cola, embalo-me no doce sussurro deste mar de cor impossível, no intenso prazer deste sol e desta brisa doce que me abriga.

Esta Jamaica, que vejo sob os olhos fascinados de turista, parece um lugar onde gostaria de ficar para sempre, numa vida distendida e calma, com um trabalho livre e ocasional, quando houvesse vontade.

Mas façamos um esforço de análise, abandonando as águas cálidas de Montego Bay. A Jamaica é um país que vive principalmente do turismo, embora tenha também boas produções de bauxite, alumínio e cana-de-açúcar. Estas fontes de rendimento são indispensáveis para a economia da ilha, que tem um défice comercial crescente, e que importa a maior parte das suas necessidades de consumo e de equipamento.

Trabalha, directa ou indirectamente no turismo, uma grande parte da população activa do país. Mesmo com bastantes unidades de luxo, constata-se facilmente que a esmagadora maioria dos trabalhadores do sector turístico efectua funções muito pouco qualificadas ou de reduzido valor acrescentado. Para além da extracção mineira e de um sector agrícola reduzido, os restantes sectores industriais e de serviços têm uma importância secundária.

Com este pequeno retrato, a que se junta uma taxa de desemprego a rondar os 15%, não é difícil aceitar que a Jamaica esteja bem dentro do terceiro mundo, apresentando um PIB per capita de cerca de 3.900 dólares anuais.

Se prestarmos atenção às condições da vida corrente, veremos que as estradas são más, há muitas falhas de electricidade e o sistema de saúde é insuficiente. Pior do que tudo, parece haver uma atitude passiva e de aversão à mudança.

Estamos assim perante um país que, tendo grandes potencialidades turísticas e vivendo há décadas praticamente dependente do desenvolvimento desse sector económico, só conseguiu atingir um nível de desenvolvimento que teremos de considerar muito modesto. Com efeito, com uma população de 2,9 milhões de pessoas, o seu PIB per capita, acima referido, é bastante baixo, mesmo quando comparado com outros pequenos países da América do Sul e Central, como por exemplo a Costa Rica (8.500 dólares de rendimento per capita) e o Uruguai (7.800 dólares).

Se alongarmos a nossa vista pelo mundo e reflectirmos um pouco, poderemos chegar a algumas conclusões simples, que nos permitirão começar a ponderar, com outros olhos, a estratégia de desenvolvimento a definir para Portugal, mais realistas e evitando análises abstractas que nos farão tropeçar como país por mais algumas dolorosas décadas. Por exemplo, não existe nenhum país, em todo o planeta, que se tenha desenvolvido a sério pela acção determinante do turismo. Por outro lado, poderemos também dizer que o turismo não é nunca um sector realmente decisivo em nenhum dos cerca de 40 países mais desenvolvidos.

E percebe-se porquê. Muitos dos projectos turísticos têm, por vezes, alguma dificuldade em conseguir um razoável retorno dos investimentos efectuados. Só uma pequena franja tem real capacidade de ter um efeito gerador de elevados rendimentos. Os grandes casinos, que pertencem a este último grupo e são até os que maiores rendimentos proporcionam, têm apesar disso um potencial de desenvolvimento limitado. E o nosso País até já está bem colocado nessa área, pelo que os outros 2 ou 3 novos casinos já planeados certamente esgotarão (ou ultrapassarão) as possibilidades da procura respectiva.

Está fora de causa negar a importância do turismo em Portugal, o qual deverá ser incrementado com investimentos cada vez de maior qualidade. O que tem de ser contestado frontalmente é a ideia que, no futuro, o turismo irá desempenhar o papel de motor do desenvolvimento económico português.

Uma discussão sobre este tema será fundamental para o nosso país, dado que está a ser falada, a vários níveis, a escolha do turismo como objectivo principal da nossa estratégia de desenvolvimento.


terça-feira, outubro 21, 2003

A Jamaica da Europa?

Vagamente sonolento, olhando o horizonte sob o telheiro de casa, o meu pensamento deambula por diversas situações desconexas, contraditórias e absurdas. Neste domingo chuvoso, fica paradoxalmente mais claro, que o nosso País está cada dia que passa mais bizarro, menos pujante, numa defensiva triste, economicamente em baixo, embora sabendo que tem potencialidades para mais, mas que não as desenvolve.

A nossa vida pessoal e colectiva deve ser positiva e afirmativa. O tempo urge e Portugal precisa realmente de se encontrar e fazer pela vida.

Picasso dizia que não sabia o que era o génio nem quando ele se manifestava. Tinha era a certeza que, se o tal génio aparecesse, o apanharia sempre a trabalhar. Talvez seja o que nos falta, não o génio, mas trabalhar com determinação e com verdadeiros objectivos, porque assim talvez o tal… digamos talento apareça. Ou, simplesmente, a nossa capacidade se manifeste.

Enquanto, junto a mim, os meus dois cães roem deleitados os seus ossos, dei comigo a pensar que é importante desligar do ambiente negativo que nos rodeia a todos e trilhar com pé firme o caminho que achamos mais promissor. Por mim, já decidi: vou dar o meu melhor naquilo que gosto e sei fazer e vou recusar o espírito de inferioridade, de divergência que o nosso País assume, por exemplo, em relação a toda a Europa comunitária. Não, eu não quero esperar por 2006 para começar talvez a convergir!

Claro que, com os empresários que temos, ainda por cima mal habituados pelo Estado, não é fácil apostar numa direcção segura de melhoria de competência e inovação empresarial. Ganhar uns milhões aqui e investir outros milhões ali, não chega. É necessária uma verdadeira capacidade de intervenção em sectores e indústrias que realmente aumentem o nosso produto e melhorem os nossos rendimentos. Manter, ao arrepio das forças de mercado, os principais centros de decisão empresarial em mãos portuguesas é, portanto, não só uma impossibilidade mas também uma insensatez.

O que o País precisa é de captar investimento estrangeiro a sério, de elevada tecnicidade, com grande valor acrescentado e em sectores que permitam evolução tecnológica e crescimento. Penso que não interessa muito ter inúmeros processos de investimento estrangeiro em análise burocrática, precisamos é de 3 ou 4 projectos de elevada dimensão e tecnicidade, o que deveria constituir um verdadeiro objectivo nacional.

E os sectores que têm futuro e em que já somos bons, devem também ser desenvolvidos, sem deixar de acautelar devidamente as particularidades regionais.

Quanto ao Turismo, essa nova quimera portuguesa, tão em moda e tão em voga, para que não se torne o desencanto das próximas décadas, não vamos pensar que será a galinha dos ovos de ouro. Porque não vai ser. Claro que é um sector muito importante, a vários níveis, que espero que cresça todos os anos. Mas nunca pode ser a base da nossa economia. Não me digam que queremos ser a Jamaica da Europa!?

domingo, outubro 19, 2003

Vem aí a Retoma?

Relativamente aos “leading indicators” (sem esquecer os “misleading indicators”…), temos de estar sempre alerta pois, embora uns tenham mais importância do que outros, são muitas vezes os menos considerados que conseguem dar preciosas indicações sobre a situação económica global.

Penso que esta é a altura certa de abordar o cobre, o qual está nesta altura numa espiral de subida fortíssima que pode confirmar o prelúdio de uma efectiva recuperação da economia mundial. Realmente, o cobre é um dos primeiros elos da cadeia industrial e o aumento do seu consumo é muito relevante.

No entanto, não há uma completa relação de causa-efeito, constitui mais um sinal avançado, não sendo de espantar que a retoma da economia se continue a sentir cada vez mais, enquanto as cotações do cobre podem começar a corrigir. Digamos que o cobre deu o aviso, mesmo que a sua cotação possa de novo ter uma grande volatilidade, sem prejuízo de, no médio prazo, haver campo para mais subidas. Por outro lado, não nos esqueçamos que a cotação do cobre é expressa em USD, e se for convertida em euros o seu preço ainda não atingiu os valores do princípio do ano passado.

Uma próxima correcção poderá assim acontecer porque, numa situação como a actual, tem sempre muita influência nos preços a eventual reabertura de algumas minas anteriormente encerradas ou com actividade reduzida. De igual modo, há uma grande tendência para serem efectuadas compras especulativas, fazendo aumentar a cotação para além do razoável. Isto sem prejuízo de se considerar efectivamente sustentado o aumento de consumo dos principais compradores mundiais (com a China à cabeça).

Aliás, esta minha crónica sobre a ligação do cobre à retoma económica, não pretende analisar as condições de trading deste metal, que é altamente desaconselhável e perigoso para pequenos e médios investidores mais ou menos amadores, como todos nós somos.

Mas reforço a ideia de acompanharem a evolução das cotações do cobre, atendendo à sua característica de auxiliar a análise sobre a evolução da conjuntura económica internacional.

Para uma adequada perspectiva, a seguir indico os dados actuais mais salientes:

a) O máximo atingido esta semana – 90.20 cts/lb, constitui também o máximo dos últimos 3 anos.
b) Nos últimos 6 meses, a cotação do cobre subiu 27%.
c) O preço mínimo dos últimos 10 anos - 60.50 cts/lb, foi estabelecido no início de Novembro de 2001. A partir daí, pode dizer-se que o cobre está em tendência ascendente de médio prazo, acentuada a partir de Outubro de 2002.

Uma nota final sobre a retoma económica global. Parece não haver dúvidas de que ela está já em curso. No entanto, é fundamental acompanhar outros indicadores que traduzam a “qualidade” desta retoma. Com efeito, a carga desta recuperação ainda está grandemente baseada no aumento do consumo por via de obtenção de crédito, sendo a taxa de poupança baixíssima em praticamente todos os países, excepto na Ásia. Um maior equilíbrio neste capítulo será indispensável a médio prazo.

quinta-feira, outubro 16, 2003

A Nossa “Street”

Actualmente temos a sorte, a que já não atribuímos o devido valor, de poder concretizar operações de bolsa em poucos segundos, mesmo estando em Lisboa a transaccionar noutras praças, a milhares de quilómetros de distância. De acordo com o conhecimento, necessidade e capacidade financeira de cada um, são muitos os activos que se podem movimentar através do nosso computador pessoal. Neste nosso tempo, tudo isso passou a ser uma quase necessidade básica, a que a tecnologia dá satisfação num ápice.

Ainda que eu seja um investidor calmo, com as posições cobertas de diversas formas, não necessitando de um acompanhamento permanente, não dispenso assistir durante alguns minutos do dia, à evolução do mercado on-line, acompanhado de informações e notícias actualizadas. Sendo um trader de fim do dia, isso permite-me fazer a minha vida “normal”, estabelecendo a estratégia mais conveniente para o dia seguinte.

Mas as coisas nem sempre foram assim! A modernização dos mercados acompanhou naturalmente a enorme evolução que existiu nos últimos séculos em todos os domínios. É, pois, muito interessante ter um conhecimento, ainda que muito superficial, do que se passou em Portugal nos primórdios da Bolsa.

Ontem, estive a folhear uma obra bastante interessante sobre as origens da nossa bolsa. Fiquei a saber que, pelo menos a partir do século XIV, a Rua Nova, “a mais extensa e larga de todas as artérias de Lisboa” (mais ou menos onde é agora a Rua do Comércio), foi efectivamente o centro de negócios de Lisboa, sendo passagem obrigatória de todos os estrangeiros que nos visitavam, especialmente em negócios. Pode dizer-se que, a partir do início do século XVI, se encontram ali as origens da Bolsa de Lisboa, com um local próprio para os corretores e um espaço delimitado para a transacção de todas as operações financeiras da altura, que envolviam grande movimento de compradores e vendedores.

Mais tarde, muitos portugueses estabeleceram-se em Amesterdão, cuja Bolsa era a mais importante nos finais do século XVII, onde foram identificados com as práticas especulativas em mercadorias e, em especial, acções. Em escritos da época, é referido que esses portugueses dispunham de boas relações internacionais e uma grande capacidade de antecipação fruto da obtenção rápida de informações.

Mas a intervenção portuguesa na Bolsa de Amesterdão tinha sólidas bases. Para o avaliar basta dizer que ilustres emigrantes portugueses, como José da Veiga e Isaac de Pinto, escreveram obras fundamentais, atendendo à época da sua publicação, respectivamente sobre operações de bolsa sobre acções, especialmente operações a prazo, e sobre o mercado da dívida pública e a teoria das finanças. É caso para dizer: é obra!!

Não percamos pois a esperança de ver surgir no actual panorama bolsístico internacional, algum português da envergadura de um António Damásio, por exemplo, que investigue e escreva sobre a vertente psicológica dos mercados financeiros.

Voltando à Bolsa de Lisboa, após o terramoto de 1755, a sua localização passou para o Torreão do lado nascente da Praça do Comércio, de onde só saiu em1994. Salvo curtos períodos de maior movimento, o mercado sempre foi extremamente limitado e cada vez menos inovador.

A evolução posterior é, obviamente, bem conhecida de todos. Num mundo alargado pela facilidade das comunicações, os mercados financeiros são os que maior proveito tiram da globalização, e a pequena dimensão da bolsa portuguesa esbate-se nos actuais sistemas internacionais de negociação em que nos estamos a integrar.

Voltemos assim ao presente, pois há muita informação para acompanhar e operações para concretizar, que só esperam um gesto nosso, uma decisão, um clic no botão do PC.

domingo, outubro 12, 2003

Os Ministros ganham bem?

Fim de semana passado a descansar, a pôr algumas leituras em dia e a fugir com bastante sucesso das notícias dos nossos telejornais. Todos sabem ao que me refiro. O problema, claro, não são as notícias, mas o martelar infindável dos nossos “agentes” políticos de todos os partidos que, em vez de estarem calados a trabalhar ou a repousar, a bom recato, teimam em opinar e marcar posição a torto e a direito. Para, através da comunicação social, mostrar que existem. Mas que existência tão medíocre e pardacenta, palavrosa e primária!

Voltando ao fim de semana, ouvi e li algumas coisas interessantes. Em primeiro lugar, na sua crónica no DNA de sábado, Eduardo Barroso escreveu sobre o nível de vencimentos dos políticos e da impossibilidade que ele teria em aceitar qualquer eventual cargo no governo, pela exiguidade da retribuição que decerto o atiraria para a falência.

Mas antes do jantar de sábado e no meio de conversas cruzadas, veio-me ao ouvido o final do programa televisivo de José Hermano Saraiva, em que abordava a figura de Fernandes Thomaz, líder do executivo do nosso País após a revolução de 1822, que não quis receber qualquer compensação monetária pelo seu cargo, vindo a morrer … não dá mesmo para acreditar!, vindo a morrer…de fome, exactamente por não ter fortuna pessoal e não dizer a ninguém que estava sem dinheiro!

É realmente de pasmar, os mistérios que a vida tem e quais as respostas que devemos dar a perguntas que parecem simples: o que é a honra?, o que é o civismo?, de que forma se deve servir o país?

Nos tempos de hoje, não temos em Portugal pessoas que, sendo milionárias, tenham a capacidade, o desejo, ou a oportunidade de servir o País, em qualquer cargo político de topo. Não digo que fosse a solução ideal, dado que mesmo com excelente situação financeira, qualquer pessoa tem interesses particulares, económicos, sociais e políticos, que não a tornam só por esse facto mais isenta, nem melhor preparada, unicamente mais independente… financeiramente.

Então só temos duas categorias principais de pessoas para ocupar cargos públicos: os de carreira exclusivamente partidária, que nunca se destacaram em nada de especial e os (poucos) de maior craveira, que têm capacidades especiais e credibilidade pessoal a nível do país. Destes últimos, não temos ouvido, até agora, grandes queixas relativamente às remunerações para cargos governamentais.

Mas não teremos perdido muita gente de valor ao longo dos anos, e não estaremos a perder agora outros, que nem põem a hipótese de ocupar cargos públicos de topo, mesmo de forma transitória, por motivos financeiros?

O problema não tem solução a curto prazo. Quem decidiria sobre pagamentos diferenciados muito mais elevado a determinadas estrela políticas, aos “Figos” da governação? Como teria de ser sempre uma decisão casuística, com base num mero quadro legal que o permitisse, não se poderiam evitar eventuais arbitrariedades, implicando a possibilidade de arranjar gato por lebre.

Ficamos então como estamos, sem estrelas e sem grandes perspectivas, cada vez mais afastados dos políticos, esses eternos protagonistas de noticiários e manchetes.

Pobres protagonistas…

quinta-feira, outubro 09, 2003

Países à beira de um esgotamento

Com a tranquilidade que deriva da minha experiência, posso testemunhar que todos andam enganados sobre a riqueza dos Países, traduzida pelo simpático indicador conhecido pelo nome de Produto Interno Bruto ou simplesmente PIB (GDP).

Pois deixem-me que lhes diga, desde já, que eu estou deveras preocupado com os PIB´s de muitos países, mesmo da grande maioria deles, à escala do nosso planeta. E, reparem, não vou falar agora nem de valores absolutos nem de valores per capita, que até davam para uns paradoxos interessantíssimos. Vou abordar principalmente o crescimento da riqueza, ou seja, a percentagem de aumento anual do PIB.

Vejam só isto: parece que todos os países estão a crescer, a enriquecer. A China 8% ao ano, o Laos 3%, o Uruguai, 4%, a Espanha 2%, os EUA 4%, Portugal 0,01%, a Nova Zelândia 5%, os Camarões 3,5%. Mas, alguém acredita nisto? Quando há um País mais aflito, com “crescimento negativo”, a coisa é passageira, rapidamente volta ao normal e ás subidas anuais do PIB.

É um verdadeiro mistério. Sim, porque a economia tem aspectos insondáveis, em que até é preciso um pouco de coragem para meter o nariz. Olhamos para a África, pobre, delapidada, emigrada, e o que é que nos dizem as estatísticas? Adivinharam! O crescimento do PIB é positivo, com uma média muito redonda de 3 a 4% (!), acrescentando esses dados que será ainda necessário um maior aumento (!!) para que se diminua o atraso relativo desse continente (!!!).

E isto é só mais um exemplo que vale, com as devidas proporções, para todos os países e continentes com atrasos relativos no seu de crescimento. Claro que eu passo por cima do Iraque, Afeganistão, Yémen, Somália, Venezuela e outros, que ficam de fora destes comentários por uma simples questão de bom senso.

Ás vezes parece-me que alguma coisa me escapa neste permanente crescimento à escala mundial. Eu bem me ponho a pensar humildemente em que cada vez há mais reformados, maior número de jovens sem emprego e multidões de desempregados, muitos deles que há muito desistiram de arranjar trabalho. Por outro lado, nos países mais desfavorecidos, as produções agrícolas, por exemplo, sofrem grandes destruições por motivos climáticos e outros e o respectivo reflexo nas estatísticas não se descortina. Mas dizem-me que, no primeiro caso, os trabalhadores que restam no activo têm uma enorme produtividade e que, no segundo caso, os apoios internacionais compensam esses outros países mais atrasados, equilibrando-os minimamente. Estes argumentos são extremamente interessantes, não acham?

Mas há aqui uma ilusão qualquer, uma grande falácia inter-continental! Já repararam que se uns não trabalham por que não podem, outros porque não querem, ainda outros porque não precisam, como é que a riqueza nasce? São as fabricas a trabalhar em piloto automático, são as máquinas a substituir cada vez mais o homem? São as industrias tecnológicas e de inovação que marcam a diferença? Ah, então se é isso está explicado, não é? Mas, por exemplo, na Ásia toda é assim?

Estamos nitidamente a tender para uma sociedade em que uma pequena minoria tem que trabalhar para que a grande maioria faça ou o que bem lhe apeteça, no género “ agora é que vou ter tempo para ler e viajar” ou, pelo contrário, não faça nada, com um lamento de “e agora o que é que eu vou fazer, aos 39 anos?”.

Estou para ver é quando os chineses chegarem a este nível de desenvolvimento! Já pensaram o que serão algumas poucas dezenas de milhões (uma ínfima parte da sua população total), a “ler e a viajar”? Bom, haverá alguns países (de destino turístico) em sério risco de irem literalmente ao fundo; e que dizer das edições de bolso de livros ocidentais traduzidos para o chinês? Vão fazer-se muitas fortunas, só é preciso acertar com o enredo adequado!

Mas a evolução e o crescimento dos países é uma verdadeira caixinha de surpresas. Ainda não há muitas décadas atrás havia um grupo de países (China, Brasil, Índia, Japão, Austrália, Canadá) considerados como grandes potências num futuro que se pensava anterior ainda ao ano 2000. Está-se a ver o que aconteceu: exceptuando a China, que terá fôlego para isso daqui a várias décadas, os outros lá se vão aguentando, uma vezes melhor outras vezes pior, mas com os mais evoluídos a dispensarem completamente esse objectivo que terá que ser repensado mais cedo ou mais tarde.

Mas, o contrário já aconteceu com uma rapidez incrível. A União Soviética evaporou-se como o vodka, da noite para o dia, e a Rússia passou a desempenhar o papel de parente muito pobre do G-7.

E o que dizer dos Estados Unidos da América, a única superpotência em exercício, a terra dos Kennedy´s e da Marilyn, do clã Sinatra e da Ella Fitzgerald, de Estados tão diferentes como o Utah e a Califórnia, do basebol e do golfe, do futuro e dos futures and options. Pois esses EUA, têm mesmo de tomar cuidado, os problemas às vezes estão mesmo ao voltar da esquina, aparecem de repente e deixam estragos por muito tempo. Gastar muito mais do que se tem, anos e anos a fio, é demasiado arriscado mesmo para uma superpotência. Mas isto somos nós a falar, claro!?

A propósito, o mês passado fui à Dinamarca e é bem visível para toda a gente, que a qualidade de vida deles está centrada mais nas pessoas do que no país. Não querem ter bombas atómicas (que alguns países pobres teimam em obter), nem pretendem efectuar viagens à lua ou ao sistema solar (que continua a ser uma atracção dos que se julgam grandes). Países como a Dinamarca (e a Noruega e a Suécia), só pretendem continuar a ter um dos mais altos níveis de vida do mundo, sem apresentarem qualquer franja de verdadeira pobreza.

Mas enfim, voltar para casa é sempre agradável, neste Portugal em que todos os políticos agora dizem que as instituições funcionam. Se isso é verdade então eu devo ser o Bill Gates disfarçado de Comentador. Neste país que tem gestores de topo que não sabem o que é uma cobertura do risco de câmbio e que julgam que o yield é o nome de um desporto radical, desfrutamos o privilégio de observar tudo o que não funciona com um sorriso nos lábios, com aquela serena esperteza ou o amável desprezo de sabermos bem o que a casa gasta.

quinta-feira, outubro 02, 2003

Uma Teoria Estonteante

Como sabem, sou uma pessoa prática. Para mim, as teorias mais complexas e devastadoras devem ser apresentadas de forma simples, clara e aberta. O cenário que vou apresentar a seguir, embora pouco ortodoxo, tem subjacente as técnicas mais adequadas e o bom senso mais elementar. Por isso mesmo, para além de tomarem as devidas precauções, podem levar este tom coloquial à letra e, no final, para conversarmos um pouco, se assim o entenderem.

Ah! E não se admirem de ir contra o que eu próprio escrevi na crónica anterior (…”importante não é de forma nenhuma tentar saber ou descobrir o que vai acontecer no futuro”)! É que há casos em que devemos abrir uma excepção, e avançar com as nossas opiniões, as quais embora sendo meras hipóteses, podem fazer-nos pensar, o que já é uma boa desculpa.

Comecemos, então. Olhando para o USD, cuja evolução irá influenciar grandemente as bolsas em todo o mundo, vamos observar uma situação muito curiosa: a moeda norte-americana passou a ser, após 1944 (ano da criação do sistema de Bretton Woods), a mais utilizada nas transacções internacionais e a mais importante a nível mundial mas, ao mesmo tempo, não tem parado de se desvalorizar progressivamente. Com efeito, analisando as últimas décadas, o US Dollar Index (DX) tem sofrido inúmeras fortes variações, a mais importante das quais foi a descida de 164,7 em 25-02-85 para 78,3 em 09-01-92 (menos 53%),

Em relação ao Marco (DM/$) e ao iene (USD/JPY), de 1970 até 1995, a desvalorização do USD foi de 62% e 72%, respectivamente. De destacar, o período de pouco mais de 2 anos e meio, entre 1985 e finais de 1987, em que houve uma descida do USD de 54%, tanto em relação ao marco como em relação ao iene.

E o USD passou por isto tudo para poder continuar a desempenhar o seu papel de protagonista na cena mundial, caindo muitas vezes e depois levantando-se cada vez mais trôpego e curvado. Dá que pensar!

Só que estamos na altura de, no âmbito da sua actual tendência descendente de médio/longo prazo, perspectivarmos um provável reforço da duração e do nível da correspondente descida, tentando “ver”, no denso nevoeiro, o que “tem” de acontecer, mesmo que pareça um cenário exagerado ou essa eventualidade se nos afigure irrealista.

E é precisamente nesse contexto que alguns economistas internacionais estão a ponderar qual a percentagem necessária de desvalorização do USD (contada a partir de agora!), relativamente às moedas (euro e iene) dos seus maiores parceiros comerciais. E isto para não haver uma desgraça financeira global, motivada pelo aumento crescentemente acelerado do défice das contas externas dos EUA, que já conta com vários triliões no seu saldo.

Realmente, as previsões daqueles técnicos variam, mas praticamente nenhum deles tem dúvidas de que uma descida bastante pronunciada é infalível, com a posição dos optimistas a apontar para cerca de 15-20% de descida do USD, contra os 50% de desvalorização que os mais pessimistas admitem. Claro que esta variação deveria ser o mais lenta possível (dois anos, no mínimo) senão o castelo de cartas poderia cair e o problema tornar-se ainda maior.

Ora, fazendo as contas, o que é que isto dá? Com uma descida intermédia do USD de 30%, relativamente ao euro e ao iene, e considerando por simplificação uma desvalorização de 10% em relação às restantes moedas do cabaz, chegam-se aos seguintes valores: o DX passaria para 71, o EUR/USD para 1,64 e o USD/JPY para 78.

Seriam estes os objectivos a atingir… prevendo um processo controlado e não linear, até para não haver rupturas ou recessão a nível mundial! Se ficaram sem palavras, sempre vos posso dizer que a realidade ultrapassa muitas vezes a ficção, e que economistas do Goldman Sachs e do Deutsche Bank estão entre os que pensam que uma desvalorização do USD entre 40-50% é a mais indicada para reduzir o défice externo dos EUA … para 3,5% do PIB, lá para 2007!!!

O Jim Sinclair apresentou há tempos uma análise do DX, em que, com a quebra do neckline do H&S gigante, ele calculava um target de 72 para esse índice. É simples e brutal. Penso que nem ele acreditava muito nisso, nessa altura. E eu também posso ainda não acreditar o suficiente nesta teoria, embora a ache cada vez mais verosímil, e aquele valor perfeitamente aceitável para um destes próximos anos…

Para não me esquecer, tenho esse número (72) pregado no meu quadro de trabalho, não tanto como um objectivo futuro, mas como um referencial dos tempos complexos em que poderemos estar todos envolvidos.

Eu posso não acreditar muito, mas que existe uma boa probabilidade, lá isso existe…