A Ajuda do Oriente
Todos nós evitamos gastar mais do que ganhamos. Este é, ou devia ser, um princípio básico na vida normal das pessoas, das empresas, das instituições e dos Países. Claro que existem sempre excepções, às vezes com toda a razão de ser, que dizem respeito a situações extraordinárias ou temporárias, a fases de maior dificuldade em que faz todo o sentido haver determinado nível de endividamento na expectativa de um regresso a breve prazo a uma condição mais normal e equilibrada.
Existem até casos exemplares, nomeadamente de grandes empresas, em que lucros de anos seguidos não chegaram para evitar a repentina ruptura financeira, exactamente por esquecimento de regras básicas elementares, como a de ajustar as necessidades de capital ao nível global da actividade, mas de forma sustentada, preservando o imprescindível equilíbrio.
Mas em relação a Países, a existência repetida de saldos negativos anuais nas contas comerciais e orçamentais, também pode revelar-se muito negativa e tornar complicada e demorada uma rectificação normal.
Hoje vamos passar por cima da situação orçamental portuguesa, cujo comentário ficará para outra altura, e analisarei alguns aspectos surpreendentes do actual défice da balança comercial dos Estados Unidos da América.
Em primeiro lugar, importa referir que o défice das contas externas dos EUA tem vindo a crescer de forma acelerada nos últimos anos, atingindo actualmente mais de 5% do PIB americano, e com tendência para continuar a crescer.
Neste contexto o dólar deverá continuar a cair, conforme está a acontecer serena mas firmemente desde princípios do ano passado. Se juntarmos a isso os juros baixos das obrigações do Estado, ficaríamos com a receita exacta para os EUA não conseguirem colocar no exterior a parcela da sua enorme dívida pública, tão necessária para cobrir o défice externo e, já agora, também o avultado défice orçamental. Pois é, quem quererá investir em dólares, com grande potencial de perda de valor e ainda por cima a juros modestos?
Embora exista cada vez menos interesse da parte de não residentes, a procura de activos em dólares por certos países continua muito forte e parece que, para já, essa situação se vai manter. E a razão é tanto mais simples quanto paradoxal. Expliquemos.
Do alto da sua posição de maior devedor mundial, os EUA irão continuar a ter quem lhes financie os seus fins de mês, porque o Japão, a China, a Coreia do Sul e Taiwan, entre outros, têm especial interesse nisso. Os americanos podem assim continuar descansadamente a consumir cada vez mais. É que todos aqueles países do Sudeste da Ásia arranjaram uma forma de se tornarem competitivos num mundo cada vez mais global. Habituaram-se a aplicar as receitas das suas exportações em activos de fraco rendimento denominados em dólares, nomeadamente títulos do tesouro americano, conseguindo manter as suas moedas adequadamente desvalorizadas e aumentar as suas exportações não só para os Estados Unidos mas também para o resto do mundo.
É um “negócio” em que todos parecem ficar satisfeitos, EUA e Países Asiáticos. Estes financiam sempre os EUA na parcela dos défices que for considerada necessária, e os Estados Unidos, por sua vez, continuam a adquirir um montante crescente das exportações daqueles.
O dólar a continuar a desvalorizar-se de forma ordeira e as taxas de juro a começarem eventualmente a subir num futuro relativamente próximo, são situações que não irão tirar um minuto de sono aos americanos. É que há a certeza que os mais de 2 biliões de dólares por dia, necessários para financiar o défice comercial, estarão completamente assegurados.
Só falta fazer uma pequena observação. Quanto maior for o desequilíbrio das contas públicas americanas maior a probabilidade de um ajustamento demasiado rápido ou mesmo brutal do dólar. Embora os EUA ainda sejam o centro financeiro mundial, os equilíbrios cambiais têm muito a ver com a confiança, e para além desta estar longe do seu ponto alto, será impossível manter durante muito mais tempo um dólar a desvalorizar continuamente com taxas de juro que não sobem. É assim que o caminho da retoma económica não será nem linear nem isento de profundos riscos.
Os sinais de alarme que continuam bem presentes podem repentinamente dar origem a modificações menos agradáveis na situação dos principais países, afectando o actual, mas instável, equilíbrio económico e financeiro internacional.
Há quem receie que a economia global seja uma espécie de castelo de cartas, em risco de desmoronamento. Mas nós vamos dar o benefício da dúvida, fazendo por acreditar que a tão ansiada recuperação económica veio para ficar.
terça-feira, dezembro 23, 2003
sexta-feira, dezembro 12, 2003
Um Néctar dos Himalaias
A notícia do novo whisky indiano é deliciosa. Se calhar como a própria bebida que parece ter um leve sabor a maçãs e mel.
A empresa indiana, que mal tendo o produto testado se apressou a exportá-lo para a Escócia, deve ter contado com o tradicional fair play das ilhas britânicas, pois a primeira reacção dos consumidores escoceses foi até agora bastante positiva. Mas que dizer da suprema simpatia dos indianos, ao afirmarem ser injusto que a sua própria bebida (Amrut, que significa néctar) seja comparada à dos concorrentes escoceses. Explicam que é só “um malte indiano que tem carácter próprio”. Isto é verdadeiro marketing!
Os indianos mostram assim que são criativos, e mesmo quando são muito competitivos conseguem ser bem educados.
E, por este exemplo, estão prontos para uma batalha chamada desenvolvimento que deverá ser construído todos os dias, mas que já é muito visível, embora com data marcada no longo prazo.
Eles sabem que os países desenvolvidos só têm uma solução para continuarem a ser o que ainda são: ter trabalhadores do conhecimento com produtividade. E a Índia, com toda sua população imensa, que se vai tornar ainda maior no próximo futuro, tem imensas potencialidades, que estão a ser orientadas exactamente para essa área indispensável e decisiva, que permite aumentar radicalmente o padrão de vida.
Este é só mais um caso, extraordinariamente sintomático. Realmente, a destilaria do sul da Índia conseguiu produzir um whisky com um leve sabor doce, mas com um trago amargo que não é comum na Escócia, conforme foi dito, certamente com espanto, pelo especialista de Glasgow John Lamond e devidamente referenciado pela própria BBC!
Serão os escoceses capazes de responder com a mesma criatividade empresarial?
A notícia do novo whisky indiano é deliciosa. Se calhar como a própria bebida que parece ter um leve sabor a maçãs e mel.
A empresa indiana, que mal tendo o produto testado se apressou a exportá-lo para a Escócia, deve ter contado com o tradicional fair play das ilhas britânicas, pois a primeira reacção dos consumidores escoceses foi até agora bastante positiva. Mas que dizer da suprema simpatia dos indianos, ao afirmarem ser injusto que a sua própria bebida (Amrut, que significa néctar) seja comparada à dos concorrentes escoceses. Explicam que é só “um malte indiano que tem carácter próprio”. Isto é verdadeiro marketing!
Os indianos mostram assim que são criativos, e mesmo quando são muito competitivos conseguem ser bem educados.
E, por este exemplo, estão prontos para uma batalha chamada desenvolvimento que deverá ser construído todos os dias, mas que já é muito visível, embora com data marcada no longo prazo.
Eles sabem que os países desenvolvidos só têm uma solução para continuarem a ser o que ainda são: ter trabalhadores do conhecimento com produtividade. E a Índia, com toda sua população imensa, que se vai tornar ainda maior no próximo futuro, tem imensas potencialidades, que estão a ser orientadas exactamente para essa área indispensável e decisiva, que permite aumentar radicalmente o padrão de vida.
Este é só mais um caso, extraordinariamente sintomático. Realmente, a destilaria do sul da Índia conseguiu produzir um whisky com um leve sabor doce, mas com um trago amargo que não é comum na Escócia, conforme foi dito, certamente com espanto, pelo especialista de Glasgow John Lamond e devidamente referenciado pela própria BBC!
Serão os escoceses capazes de responder com a mesma criatividade empresarial?
quarta-feira, dezembro 10, 2003
Um Passo de Gigante
Num dos últimos fins de semana, tive a satisfação de ler um artigo muito interessante de Pedro d´Anunciação. São textos destes que nos fazem acreditar que o País a que nos habituáramos, com uma falta de cultura congénita e dado a poucas leituras, terá certamente os dias contados.
Permito-me salientar uma frase, basta uma, tirada da sua crónica Zapping, no suplemento Actual do Expresso. A frase que eu prefiro sobre todas as demais é a seguinte: “Eu pensara já que um livro amado por tanta gente que não gosta de ler, não deveria fascinar os que amamos a literatura”.
É fantástico, com esta frase e de uma assentada, P. D´A. consegue dizer tudo. Senão vejamos.
Primeiro, existe muita gente em Portugal que está a amar um livro, sendo irrelevante qual ele seja, embora P.D´A. nos informe que é o “Equador” de Miguel Sousa Tavares. Mas torna-se bastante claro que P.D´A. só se estava a referir àquele livro como mero exemplo, havendo de certeza muitos outros livros também amados por muito gente. Esta, a primeira constatação muito interessante, a de que há um crescente gosto dos portugueses por livros, que não só lêem como até passaram a amar.
Em segundo lugar, toda essa gente que está a amar esse livro (e, como já concluímos, muitos outros livros), não gosta de ler. É triste, mas é verdade, segundo P. D´A. Todas essas centenas de milhares de leitores (nunca poderão ser menos, é fácil fazer as contas) afinal, não gostando de ler, fazem tanto esforço para devorar todos esses livros que até os conseguem, depois, amar. É simplesmente extraordinária a viragem que o nosso país está a fazer em termos de leitura de livros. Sim, porque ainda há os que amam a literatura, como veremos a seguir.
Realmente, e por último, diz P. D´A. que aquele livro (e como, já vimos, muitos outros) “não deveria fascinar os que amamos a literatura”. Ah! Estou a perceber. Os que amam a literatura, lêem mas não ficam de modo nenhum fascinados com “aquele” tipo de livros, e para além disso lêem necessariamente os livros que os fascinam! Lêem, portanto, tanto uns como outros, lendo desse modo ainda muito mais do que toda aquela outra gente a que P.D´A. se referia. Não sei se estão a ver, mas isto torna completamente desmesurado o número de portugueses que actualmente lêem livros!
O que é muito bom sinal! Só não sei se o próprio P.D´A. teve consciência do que conseguiu provar com o seu artigo. Ou teve?
Num dos últimos fins de semana, tive a satisfação de ler um artigo muito interessante de Pedro d´Anunciação. São textos destes que nos fazem acreditar que o País a que nos habituáramos, com uma falta de cultura congénita e dado a poucas leituras, terá certamente os dias contados.
Permito-me salientar uma frase, basta uma, tirada da sua crónica Zapping, no suplemento Actual do Expresso. A frase que eu prefiro sobre todas as demais é a seguinte: “Eu pensara já que um livro amado por tanta gente que não gosta de ler, não deveria fascinar os que amamos a literatura”.
É fantástico, com esta frase e de uma assentada, P. D´A. consegue dizer tudo. Senão vejamos.
Primeiro, existe muita gente em Portugal que está a amar um livro, sendo irrelevante qual ele seja, embora P.D´A. nos informe que é o “Equador” de Miguel Sousa Tavares. Mas torna-se bastante claro que P.D´A. só se estava a referir àquele livro como mero exemplo, havendo de certeza muitos outros livros também amados por muito gente. Esta, a primeira constatação muito interessante, a de que há um crescente gosto dos portugueses por livros, que não só lêem como até passaram a amar.
Em segundo lugar, toda essa gente que está a amar esse livro (e, como já concluímos, muitos outros livros), não gosta de ler. É triste, mas é verdade, segundo P. D´A. Todas essas centenas de milhares de leitores (nunca poderão ser menos, é fácil fazer as contas) afinal, não gostando de ler, fazem tanto esforço para devorar todos esses livros que até os conseguem, depois, amar. É simplesmente extraordinária a viragem que o nosso país está a fazer em termos de leitura de livros. Sim, porque ainda há os que amam a literatura, como veremos a seguir.
Realmente, e por último, diz P. D´A. que aquele livro (e como, já vimos, muitos outros) “não deveria fascinar os que amamos a literatura”. Ah! Estou a perceber. Os que amam a literatura, lêem mas não ficam de modo nenhum fascinados com “aquele” tipo de livros, e para além disso lêem necessariamente os livros que os fascinam! Lêem, portanto, tanto uns como outros, lendo desse modo ainda muito mais do que toda aquela outra gente a que P.D´A. se referia. Não sei se estão a ver, mas isto torna completamente desmesurado o número de portugueses que actualmente lêem livros!
O que é muito bom sinal! Só não sei se o próprio P.D´A. teve consciência do que conseguiu provar com o seu artigo. Ou teve?
segunda-feira, dezembro 01, 2003
Uma Aventura na América
1
O salão nobre da Universidade de Nova York estava repleto. Como em todas as grandes ocasiões, respirava-se a solenidade de uma atmosfera intemporal, cheia de tradições, de boas tradições, que certamente se haveriam de manter.
Estávamos em Maio de 1984, e ia ser concedido o Doutoramento Honoris Causa em Ciências Comerciais a Rose Gorelick Blumkin, de 90 anos. Sentada no seu alto cadeirão, Rose contemplava a assistência, o seu olhar deambulando devagar, primeiro por aquele espaço visitado por tantas gerações, depois pelo tempo, vagueou pelo seu tempo, pelo seu presente e, claro, pelo seu passado.
Principalmente pelo seu passado, a muitos milhares de quilómetros de si mesma, voltando atrás, muito atrás, à sua Rússia natal, onde afinal era bem ela própria que se via correr, naquelas manhãs tão frias, nos arredores de Minsk.
Quanto tempo passado, tanto tempo, mas lembrava-se bem da altura em que tinha resolvido partir, escapar da sua terra, e emigrar para a América com o marido. Fora há 67 anos, tinha ela então 23, e passava o ano de 1917.
Lembrou os primeiros anos nos Estados Unidos, de um trabalho duro e extenuante, vivido a dois, num autêntico contra-relógio para poder trazer a sua família para junto de si. E recordou também, com uma ternura imensa, a forma como aprendeu a língua inglesa, ela que nunca tinha entrado numa escola (nem o faria depois). Todas as noites, a sua filha mais velha ensinava-lhe, uma a uma, as palavras que tinha aprendido na escola durante o dia.
Estes pensamentos trouxeram-na momentaneamente ao presente, à Universidade e a esta cerimónia, o que lhe fez sentir um arrepio, ao pensar que era a altura dela, que a estariam já a chamar. Mas não, os discursos continuavam, e Rose voltou a admirar-se da forma como as pessoas estavam a ser simpáticas, como lhe estavam a dar uma atenção que ela não julgara possível, nem talvez merecida. Não, como poderia ser merecida uma honra destas se ela só tinha criado e dirigido uma empresa, com todo o empenho e honestidade é certo, até com bastante sucesso de que se orgulhava, mas nada mais? Era isso, a atitude da Universidade era extremamente simpática, mas ainda lhe custava imenso acreditar que o seu lugar poderia ser ao lado de tanta gente ilustre.
Mesmo sem querer, o seu cérebro voou de novo para os pensamentos de há pouco, que apareciam diante dos seus olhos com uma naturalidade e clareza que a ela própria admirava. Era curioso que não estava a passar em revista toda a sua vida mas sim determinados períodos e situações que se impunham com uma força determinante.
Veio-lhe à memória, o ano de 1937, em que depois de muitos anos a negociar roupas em segunda mão, tinha conseguido poupar 500 dólares e concretizar o sonho da sua vida: criar um armazém de venda de mobílias e tapeçarias, a sua Nebraska Furniture Mart. Que tempos! Lembrou-se bem de todos os obstáculos iniciais que teve de vencer, da concorrência feroz, da necessidade que teve de vender as mobílias da sua própria casa para pagar aos credores, exactamente na data combinada. Depois o negócio prosperou, ano após ano, até se tornar, de longe, a maior empresa de loja única do seu sector em todos o país.
Tinha tido razão, conseguira vender mais barato do que os outros e com melhor qualidade, dizendo sempre a verdade aos clientes. E nunca entrou em áreas onde não fosse a melhor, mantendo-se sempre no mobiliário e nas tapeçarias (estas últimas, eram mesmo a sua grande especialidade pessoal).
E, pensou, até a venda da empresa no ano anterior (por 55 milhões de dólares) tinha sido uma operação aconselhável e no interesse de toda a sua família. Para além do mais, todos se mantinham na gestão da “Mart”, e ela própria, com os seus 10%, continuou como Presidente da sua empresa.
E não evitou um sorriso ao lembrar-se da negociação com Warren Buffett. Ele fora de uma grande correcção, confiara nela em absoluto, dispensando até a auditoria e o inventário. E recordou-se da cara dele, um misto de compreensão risonha e de, ia jurar, admiração comovida, quando achou natural, e até necessário, que ela continuasse à frente da empresa.
A cerimónia continuava, ela ouvia o elogio do reitor, talvez mais pessoal do que ela esperaria. Mas Rose, estranhamente, não conseguia estar com a atenção que desejava, o seu cérebro parecia flutuar e demorou o resto daquele discurso a tentar serenar e a tomar consciência precisa do que se estava a passar. Até que o momento chegou e Rose estava doutorada. Exactamente na mesma Universidade em que tinham recebido idêntica distinção personalidades como os CEO´s da EXXON, Citicorp, IBM e General Motors e, pouco tempo antes, Paul Volcker, Presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, uma extraordinária figura de financeiro que influenciou decisivamente a economia americana nos anos 70 e 80.
2
E a sua vida continuou. O tempo foi passando, e Rose Blumkin (conhecida em todo o Nebraska por Mrs. B.), com a mesma alegria de sempre, mantinha o seu ritmo normal na empresa, trabalhando 7 dias por semana desde a abertura ao fecho, adorando atender os seus clientes, surpreendendo-os com excelentes negócios que eles se apressavam a aceitar. “Ia a casa para comer e dormir, e pouco mais. E mal podia esperar que o dia nascesse, para voltar de novo à empresa”. Parecia mesmo que ainda não tinha atingido completamente todo o seu verdadeiro potencial! E isto já com 96 anos!
O segredo do sucesso da sua empresa sempre tinha sido o nível extremamente baixo dos custos operacionais, que se situavam, de forma sustentada, em pouco mais de 15% das vendas. E foi assim que conseguiu apresentar um crescimento ininterrupto do volume de negócios durante 64 anos.
Mas em 1989, aconteceu uma situação inesperada. Devido a uma diferença de opinião com a restante administração da empresa (que incluía o seu filho Louie), Rose decidiu sair e criar, de imediato, num edifício adjacente que lhe pertencia, uma nova empresa de … tapeçarias, estabelecendo, alguns anos mais tarde, já com 99 anos, um acordo de não-concorrência com a “sua” Nebraska Furniture Mart!
Essa sua actuação não seria uma forma engenhosa de sair na altura certa, deixando todo o caminho aos mais novos (!), e para ao mesmo tempo continuar a fazer aquilo que sempre quis e soube?
Ao completar 100 anos de idade, as velas acenderam-se na empresa, para uma mais do que devida comemoração. Mas como o trabalho está sempre primeiro, Mrs. B. adiou a festa para uma tarde em que a loja estivesse encerrada…
Rose Blumkin, morreu em 1998, aos 104 anos de idade. A sua empresa mantém-se hoje na mesma rota de crescimento e de lucros, tendo atingido, no final desse ano, 300 milhões de dólares em vendas, as quais continuaram a subir com naturalidade até ao presente.
Tudo tinha começado em 1937, com um investimento de 500 dólares, um enorme entusiasmo, ideias muito claras do negócio e uma tremenda vontade de vencer.
Não há dúvida que ela foi e é uma fonte de inspiração, mesmo para quem nunca a conheceu!…
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O salão nobre da Universidade de Nova York estava repleto. Como em todas as grandes ocasiões, respirava-se a solenidade de uma atmosfera intemporal, cheia de tradições, de boas tradições, que certamente se haveriam de manter.
Estávamos em Maio de 1984, e ia ser concedido o Doutoramento Honoris Causa em Ciências Comerciais a Rose Gorelick Blumkin, de 90 anos. Sentada no seu alto cadeirão, Rose contemplava a assistência, o seu olhar deambulando devagar, primeiro por aquele espaço visitado por tantas gerações, depois pelo tempo, vagueou pelo seu tempo, pelo seu presente e, claro, pelo seu passado.
Principalmente pelo seu passado, a muitos milhares de quilómetros de si mesma, voltando atrás, muito atrás, à sua Rússia natal, onde afinal era bem ela própria que se via correr, naquelas manhãs tão frias, nos arredores de Minsk.
Quanto tempo passado, tanto tempo, mas lembrava-se bem da altura em que tinha resolvido partir, escapar da sua terra, e emigrar para a América com o marido. Fora há 67 anos, tinha ela então 23, e passava o ano de 1917.
Lembrou os primeiros anos nos Estados Unidos, de um trabalho duro e extenuante, vivido a dois, num autêntico contra-relógio para poder trazer a sua família para junto de si. E recordou também, com uma ternura imensa, a forma como aprendeu a língua inglesa, ela que nunca tinha entrado numa escola (nem o faria depois). Todas as noites, a sua filha mais velha ensinava-lhe, uma a uma, as palavras que tinha aprendido na escola durante o dia.
Estes pensamentos trouxeram-na momentaneamente ao presente, à Universidade e a esta cerimónia, o que lhe fez sentir um arrepio, ao pensar que era a altura dela, que a estariam já a chamar. Mas não, os discursos continuavam, e Rose voltou a admirar-se da forma como as pessoas estavam a ser simpáticas, como lhe estavam a dar uma atenção que ela não julgara possível, nem talvez merecida. Não, como poderia ser merecida uma honra destas se ela só tinha criado e dirigido uma empresa, com todo o empenho e honestidade é certo, até com bastante sucesso de que se orgulhava, mas nada mais? Era isso, a atitude da Universidade era extremamente simpática, mas ainda lhe custava imenso acreditar que o seu lugar poderia ser ao lado de tanta gente ilustre.
Mesmo sem querer, o seu cérebro voou de novo para os pensamentos de há pouco, que apareciam diante dos seus olhos com uma naturalidade e clareza que a ela própria admirava. Era curioso que não estava a passar em revista toda a sua vida mas sim determinados períodos e situações que se impunham com uma força determinante.
Veio-lhe à memória, o ano de 1937, em que depois de muitos anos a negociar roupas em segunda mão, tinha conseguido poupar 500 dólares e concretizar o sonho da sua vida: criar um armazém de venda de mobílias e tapeçarias, a sua Nebraska Furniture Mart. Que tempos! Lembrou-se bem de todos os obstáculos iniciais que teve de vencer, da concorrência feroz, da necessidade que teve de vender as mobílias da sua própria casa para pagar aos credores, exactamente na data combinada. Depois o negócio prosperou, ano após ano, até se tornar, de longe, a maior empresa de loja única do seu sector em todos o país.
Tinha tido razão, conseguira vender mais barato do que os outros e com melhor qualidade, dizendo sempre a verdade aos clientes. E nunca entrou em áreas onde não fosse a melhor, mantendo-se sempre no mobiliário e nas tapeçarias (estas últimas, eram mesmo a sua grande especialidade pessoal).
E, pensou, até a venda da empresa no ano anterior (por 55 milhões de dólares) tinha sido uma operação aconselhável e no interesse de toda a sua família. Para além do mais, todos se mantinham na gestão da “Mart”, e ela própria, com os seus 10%, continuou como Presidente da sua empresa.
E não evitou um sorriso ao lembrar-se da negociação com Warren Buffett. Ele fora de uma grande correcção, confiara nela em absoluto, dispensando até a auditoria e o inventário. E recordou-se da cara dele, um misto de compreensão risonha e de, ia jurar, admiração comovida, quando achou natural, e até necessário, que ela continuasse à frente da empresa.
A cerimónia continuava, ela ouvia o elogio do reitor, talvez mais pessoal do que ela esperaria. Mas Rose, estranhamente, não conseguia estar com a atenção que desejava, o seu cérebro parecia flutuar e demorou o resto daquele discurso a tentar serenar e a tomar consciência precisa do que se estava a passar. Até que o momento chegou e Rose estava doutorada. Exactamente na mesma Universidade em que tinham recebido idêntica distinção personalidades como os CEO´s da EXXON, Citicorp, IBM e General Motors e, pouco tempo antes, Paul Volcker, Presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, uma extraordinária figura de financeiro que influenciou decisivamente a economia americana nos anos 70 e 80.
2
E a sua vida continuou. O tempo foi passando, e Rose Blumkin (conhecida em todo o Nebraska por Mrs. B.), com a mesma alegria de sempre, mantinha o seu ritmo normal na empresa, trabalhando 7 dias por semana desde a abertura ao fecho, adorando atender os seus clientes, surpreendendo-os com excelentes negócios que eles se apressavam a aceitar. “Ia a casa para comer e dormir, e pouco mais. E mal podia esperar que o dia nascesse, para voltar de novo à empresa”. Parecia mesmo que ainda não tinha atingido completamente todo o seu verdadeiro potencial! E isto já com 96 anos!
O segredo do sucesso da sua empresa sempre tinha sido o nível extremamente baixo dos custos operacionais, que se situavam, de forma sustentada, em pouco mais de 15% das vendas. E foi assim que conseguiu apresentar um crescimento ininterrupto do volume de negócios durante 64 anos.
Mas em 1989, aconteceu uma situação inesperada. Devido a uma diferença de opinião com a restante administração da empresa (que incluía o seu filho Louie), Rose decidiu sair e criar, de imediato, num edifício adjacente que lhe pertencia, uma nova empresa de … tapeçarias, estabelecendo, alguns anos mais tarde, já com 99 anos, um acordo de não-concorrência com a “sua” Nebraska Furniture Mart!
Essa sua actuação não seria uma forma engenhosa de sair na altura certa, deixando todo o caminho aos mais novos (!), e para ao mesmo tempo continuar a fazer aquilo que sempre quis e soube?
Ao completar 100 anos de idade, as velas acenderam-se na empresa, para uma mais do que devida comemoração. Mas como o trabalho está sempre primeiro, Mrs. B. adiou a festa para uma tarde em que a loja estivesse encerrada…
Rose Blumkin, morreu em 1998, aos 104 anos de idade. A sua empresa mantém-se hoje na mesma rota de crescimento e de lucros, tendo atingido, no final desse ano, 300 milhões de dólares em vendas, as quais continuaram a subir com naturalidade até ao presente.
Tudo tinha começado em 1937, com um investimento de 500 dólares, um enorme entusiasmo, ideias muito claras do negócio e uma tremenda vontade de vencer.
Não há dúvida que ela foi e é uma fonte de inspiração, mesmo para quem nunca a conheceu!…
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